quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sweet Blues for You


Os acordes do pianista solitário preenchiam o ar. A fumaça preenchia o lugar.  O negro tocava, com paixão, o mais puro blues. As pessoas não esperavam outra coisa, seus pensamentos acompanhavam o compasso. Lento, violento.

O blues preenchia aquelas pessoas.

O homem mal era visível, apesar de estar no meio do ambiente, em frente ao palco, sua mesa solitária era a primeira, a névoa espessa e seca o envolvia. Sua cabeça estava baixa, coberta por um chapéu preto, seus olhos, ocultos por óculos escuros.  Um cigarro pendia de sua mão, mas ele quase não fumava. Assim como o whiskey em sua mesa que ele quase não bebia.

O blues era um estado de espírito. O cigarro e o whiskey ajudam a atingir tão magnífico estado. A solidão. Amores fodidos e sonhos perdidos também. Ele não precisava destes catalisadores. Não nesta noite.

Deu uma tragada profunda, a chama do cigarro brilhando mais forte. A seus pés, um estojo. Seu contrabaixo elétrico. Seu melhor amigo, a fonte de onde jorravam seus pensamentos. Seu dom e sua maldição.

Agora, a última banda da noite se apresentava no palco. O cheiro do cânhamo proibido era intenso. Um odor agradável. As pessoas sorriam, anestesiadas. O frontman o reconheceu. Encerraram a música e o chamaram ao palco. Ele não hesitou. Estava ali para isso.

Sentou-se de frente para a platéia. Deitou o estojo e retirou o velho contrabaixo de dentro. Era preto, mesmo o escudo. Sorriu para seus colegas de palco. Disse-lhes para tocarem um clássico. Os outros sorriram, concordando.

Começou a tocar, sem pensar no que fazia. Seus dedos sabiam o caminho, então os deixou passearem. A música falava mais alto sempre. Ela simplesmente fluía. Como o suor no corpo dos amantes, como a saliva do faminto. 

O pianista reconheceu os primeiros acordes e, após tragar demoradamente um cigarro do diabo e atirá-lo às pessoas da platéia, acompanhou o baixista.

“...in the house of Love...”

Sua voz grave fez as pessoas se arrepiarem. Mesmo os músicos à sua volta se impressionaram. Agora, já cientes da música, também o acompanhavam.

Ele, por sua vez, via à sua volta os espíritos do Blues. Não gostava de metafísica, de religião ou algo do tipo. Seu deus era a música. Mas, pensou consigo mesmo, se acreditasse, teria visto Mojo ali e outras entidades do vodu ao seu redor.  A idéia o empolgou. Estava invocando os espíritos protetores de uma religião negada. Ele, um branco, encarnava os negros norte americanos, oprimidos e já mortos.

“I know the word… that you love to…hear”

Mas, só acreditava na música. Não gosta de homens ou de animais. Só de notas e acordes. Guitarras e bumbos. Cordas e teclados. Achava que a bebida despertava a poesia imanente em todos os homens e, por isso, era necessário. A bebida libertava. Só o bêbado era sincero. Só o bêbado sorria.

“...I can see you...”

Vivia a vida em grandes goles. Mas, sua garrafa estava já no fim. Seu pé derrubou o estojo, com o veludo caído em sua direção.

“I know your deep and secret fear”

Quando a música cessou, os músicos abandonaram seus instrumentos para cumprimentá-lo, honrados, fascinados por tocarem a seu lado. Enquanto isso, ele estava abaixado, pegando algo que caíra do estojo.

O sorriso do guitarrista morreu quando viu o cano negro. A bala cravou-se no crânio do bateirista, que morreu sorrindo. O Bluesman assassino virou-se para a platéia e disparou. Meia dúzia de balas, vomitadas pelo revólver.

Recarregou.

Engoliu o cano. E o chumbo. Amava a vida.  Amava a música. Sua vida era a música.  Seu último acorde foi o estalido abafado do gatilho.

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